quarta-feira, 12 de outubro de 2011

SEM MEDO ENTRE LEPROSOS






"MUNDO e MISSÃO"

Testemunhos da Vida Missionária


Segundo os planos da
Organização Mundial da Saúde
(OMS), o contágio deveria estar
completamente debelado em 2005.
Ao invés, há ainda 20 milhões de
infectados e quase 400 mil novos
casos a cada ano. À base de
antibióticos, a cura é fácil e barata,
mas ainda pesa o estigma social
que marginaliza os infectados.
E a inaptidão física que a doença
provoca, perpetua a pobreza

por Lucia Bellaspiga

epra. A palavra dá medo. A imagem é a da deformação de mãos e pés sem dedos, corpos mutilados e inchados, rosto cadavérico, nariz e órbitas oculares vazios. A lepra consome e resseca, agride e penetra na pele, deforma nervos, músculos, ossos. A insuportável dor inicial é substituída pela perda da sensibilidade e dos movimentos.

Não há época ou sociedade livre de leprosos, ainda hoje isolados da comunidade, muitas vezes reunidos em fétidos guetos, confinados com arame farpado ou em desertos, florestas, para encontrar a morte longe dos olhos dos sadios. São talvez vinte milhões no mundo. Vinte milhões de paradoxos, porque a doença pode ser tratada facilmente até a recuperação completa. Em resumo: a lepra é um problema resolvível. Ou assim seria, se a ignorância, superstições e indiferença não a transformassem em flagelo.

SEM MEDO ENTRE LEPROSOS

Encontramos Massimo Tomaselli, 41 anos, italiano, na convenção da Associação Italiana Amigos de F ollereau (AIFO), que ele coordena em Moçambique. Não é médico, "porque a lepra prospera onde há pobreza, onde faltam recursos, higiene, latrinas, comida"; assim, os responsáveis pelos projetos são, freqüentemente, engenheiros como ele. Ele, a esposa francesa e os três filhos vivem entre leprosos. A pergunta surge naturalmente: "não teme o contágio?". "Eu? Por quê? - responde sorrindo - Isso tem cura!". Explica melhor: "Você tem medo de resfriado? É claro que não se importa, não é mesmo?".

"Então, como fica o pesadelo mundial, aqueles rejeitados intumescidos, a segregação? Se a lepra tem cura, por que não é feita?". Ele sorri, entre a paciência e a comiseração: "também se sabe como debelar a fome: duas mil calorias por pessoa, no entanto...". "E, por favor, não escreva você também os milhões de mortes pela lepra...". Simplesmente, porque não se morre de lepra: o bacilo (difundido não pelo simples contato, mas pela saliva ou espirro) é lentíssimo, esconde-se durante vinte anos, sem nenhum sintoma; depois é que aparece a mancha na pele, a deformidade, o "monstro", o estigma, a marca, o abandono...

A CONFUSÃO DOS NÚMEROS

Segundo os planos da OMS, a lepra devia desaparecer do mundo em 2005. Ora, já passamos por ele, e ainda temos vinte milhões de leprosos e, sobretudo, 380 mil novos casos por ano, poucos em relação aos 760 mil de 2002. "Bom sinal, hei, doutor?". "Teoricamente, sim! A diminuição de infectados significa que a ação da OMS e das Ongs na África, Ásia e América do Sul está frutificando: quando se identifica precocemente o infectado, e se lhe administram antibióticos, rapidamente interrompe-se o contágio e, entre seis a doze meses, ele fica curado".

"Por que teoricamente? Há outras implicações?". "Há!". Ele ironiza a "contabilidade" nos registros mundiais: "Quando médicos e voluntários chegam às áreas mais pobres e isoladas, encontram aí sempre mais leprosos. Se, ao invés, param e trabalham menos,... os casos caem naturalmente. Em suma: quanto menor a atividade sanitária, mais bonitos são os números".

Um brilhante exemplo foi a recente explosão de lepra em Tambara, Moçambique:

"Um novo contágio? Não! Simplesmente chegamos a uma ilha do rio Zambeze onde todos eram doentes, mas nenhum médico havia chegado ainda".

ENTRE O LIXO DA HUMANIDADE

Na Índia, na África ou no norte do Brasil, a história é a mesma. Os doentes são expulsos definitivamente do clã e nem mesmo a cura os salvará: serão sempre leprosos. "A verdadeira guerra é contra o estigma, e não contra um bacilo já derrotado", dizem os voluntários da AIFO. "A mais bela lembrança? O dia em que, com nosso apoio, uma jovem africana recusou-se a ficar isolada na floresta, procurou o centro de saúde, curou-se, retomou à aldeia, teve a força de se impor e, dois anos depois, casou-se". Parecem "enamorados" da lepra os voluntários que, de todo lado, acorrem àconvenção da AIFO.

São interiormente ricos, pois "não se vai aos excluídos pelo dinheiro, mas por um ideal". "A lepra me atrai - admite Tomaselli -, pois onde ela está, está o lixo da humanidade, estão certamente os mais desafortunados, onde nenhuma ong chega por falta de estrada, o jornalista não aparece, pois, 'para uma entrevista, um leproso da cidade é suficiente'; onde não há escola, nada...". A lepra é filha da indigência, mais do que do bacilo, a tal ponto que ela quase desapareceu da Europa apenas com o bem-estar geral, quando os medicamentos ainda não existiam. "O que, ao invés, não podemos jamais curar é a horrenda exclusão dos ex-doentes".

QUANDO OS MEDICAMENTOS SÃO INSUFICIENTES

O testemunho de Daisy Kandathi/: na índia ninguém quer se casar com o filho de um leproso. É como se ele tivesse culpa


Dr. Daisy Kandathil
Daisy Kandathil é bela. Isso nos leva a pensar enquanto a vemos, ereta, pequena como uma estatueta indiana, envolvida no elegante sári. E ela sorri radiosa, recebendo o prêmio Follereau da Associação Italiana Amigos de Follereau (AIFO), depois de uma vida dedicada a leprosos. Pelo aplauso da sala, ela percebe que é uma celebridade, e de fato são tantos, talvez milhares os que, na índia, devem-lhe a ressurreição depois do exílio causado pela lepra.

Seu país é o campeão de leprosos no mundo e ela, que agora tem 72 anos de idade, desde criança prometia fazer algo novo, diferente:

“Sou uma consagrada – relata – venho de uma família católica de Kerala, a zona mais desenvolvida da Índia, onde o índice de alfabetização chega a 100%.

Mas talvez nenhum país proceda de duas velocidades como a índia:

por um lado, o progresso e a riqueza desenfreada; por outro, a degradação absoluta. Meus pais eram ricos, mas nossa casa era sempre freqüentada pelos necessitados. Eles viviam pedindo para que a gente conhecesse e freqüentasse seus casebres...". Assim, a religião de família se transformou em vocação e Daisy recebeu o diploma de Química, em Kerala, o de Medicina, em Roma, em 1961, e o de especialização em Medicina tropical, em Moderna.

“Na Itália, trabalhei em hospitais públicos e participei da Associação Missionária Internacional. Depois, voltei à Índia para cuidar de leprosos”.

Um trabalho delicado, de casa em casa, porque a primeira coisa a fazer é encontrar os doentes:

“Também nas Índia a superstição e a ignorância estão tão enraizados nos contatos com os leprosos, que a verdadeira dificuldade é conseguir cuidar dos doentes quando a doença ainda se resume a uma pequena mancha na pele. Ainda hoje os doentes se distanciam da casa e, por vergonha, evitam visitar seus familiares.

No outro dia, em Kerala, chegou ao meu hospital um leproso de centenas de quilômetros de distância... Persiste ainda a tradição que ninguém quer se casar com filho ou filha de pai ou mãe leprosos". E assim, o doente se torna ruim, aprende a odiar e a cultivar o ódio dentro de si, sabendo que a lepra é indelével, como se fosse uma culpa. Esta é uma estranha doença que, há milênios, condena também quem dela se livra.

"Não foi por acaso que o próprio Jesus Cristo teve especial amor pelos leprosos:

'Movido pela compaixão, estendeu a mão, tocou-o e o curou"'.

Mais do que qualquer coisa, eis o que suplica o leproso:

que qualquer um o contemple sem repulsa, que o toque... "Com antibióticos você cura o corpo mas, para a alma, é preciso todo o seu amor". Como aconteceu com um velho mendigo indiano, "sempre furioso, irascível, a ponto de ser temido por todos - relembra Daisy -. Acontece que um dia um leproso precisou ir a outro hospital, mas não tinha dinheiro para a viagem e nem para o tratamento; assim, o mendigo, sem dizer nada a ninguém, por dias pediu esmolas e, ao final, entregou-me todas as suas economias: eram para aquele doente".

O MÉDICO SE CASA NO LEPROSÁRIO

Habituados a provocar mal-estar, os próprios leprosos se retiram e desejam o esquecimento. Eles mesmos evitam o contato físico. Mario Figoni, médico infectologista, 48 anos, italiano, expert nos leprosários da Índia e do interior africano, escolheu celebrar suas núpcias entre os intocáveis. O documentário do casamento no leprosário de Fogo, ilha de Cabo Verde, mostra uma selva de mãos estendidas para abraçá-lo, se bem que sem dedos, sorrisos, nenhum medo do "contato". A esposa, Milita, que é de Cabo Verde, trabalhava na farmácia do hospital local.

Ele a conheceu em cursos de atualização sobre a doença. O casal tem dois filhos. Hoje vivem na Itália, pois o mais velho contraiu recentemente a malária. "Cuido de aidéticos em Nápoles". Porém, todo ano, quando chegam as férias, Mario retoma aos seus leprosos no Chade, Mali, Ghana... Também ele contagiou-se pelo voluntariado, uma "doença crônica, exatamente como a lepra".

Seu amor nasceu lá longe, quando, apenas formado, foi à África com a instituição Mani Tese (Mãos Estendidas); em seguida, prosseguiu com as missões da AIFO e a guerra à lepra:

"Quando cheguei em Cabo Verde, havia 800 leprosos; quando saí, não restavam nem 50. É a minha maior gratificação".

Avvenire

A LEPRA (Hanseníase) e a AIFO


Gerhard Hansen
A lepra é causada por um bacilo (mycobacterium leprae), isolado pela primeira vez em 1874, pelo médico norueguês Gerhard Armauer Hansen. Por isso, a doença é também chamada de Hanseníase. O termo "lepra" vem do grego "Iepein" (descamar-se).

Há duas formas de lepra: uma menos grave, com manchas na pele e progressiva perda de sensibilidade cutânea; e outra, chamada de lepramatosa ou tuberosa, através da qual aparecem nódulos. Em seguida, os nervos se transformam em cordões nodosos, que causam fortes dores e, depois, insensibilidade, deformidade e deturpações. Finalmente, o bacilo ataca os tecidos, consumindo as mãos e os pés, o nariz, os olhos.

Incubação: o período é muito longo, chega a 20 anos.
Tratamento: A doença é curável através de um coquetel de três antibióticos de baixo custo (distribuídos grátis pela OMS).
Principais zonas de difusão: índia (75% dos casos mundiais), Nepal, Brasil, Sudão, Moçambique, Madagascar e Angola.
ASSOCIAÇÃO ITALIANA AMIGOS DE FOLLEREAU (AIFO)

A AIFO é uma ONG sem fins lucrativos, reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como parceira oficial e colabora com a Federação Internacional das Associações Anti-Iepra. Além da prevenção e tratamento da Hanseníase, a AIFO ocupa-se de programas de saúde nos países onde o direito à saúde é uma utopia. Ela trabalha em 50 países, através de intervenções sócio-sanitárias. Desde 1961, curou e reintegrou na sociedade um milhão de leprosos, em grande parte na África.

Fonte: Avvenire

Nenhum comentário:

Quem sou eu

Minha foto
Brazil
A lua cheia de beleza e luz É fase bela e misteriosa Por que será que a tantos seduz ? Talvez porque tão decantada em prosa. Lua minguante, fase tão modesta Que míngua a dor do que acredita nela. É lua boa e não se manifesta Como uma fase que aparece bela. A lua nova, clara e brilhante, Sempre renova a fé de algum mortal; É lua limpa, não tem semelhante Visível em todo plano sideral. Lua crescente, cresce a esperança, De vida boa, com fartura e paz. Com fé na lua, toda graça alcança, Quem, com trabalho, seu destino faz. Dizem que a lua influencia a vida, Sendo a raiz dessa crença remota. Há quem afirme ser crença vencida, Mas contestá-la se torna idiota...

Arquivo do blog